13 de maio de 2010

"Causos" dos Descasados: A planilha

Os "causos" dos Descasados são aquelas histórias que ouvimos da boca de um ou de outro no ponto de ônibus, numa mesa de boteco, enquanto assistimos a uma partida de bilhar, no aconchego do trabalho, na fila do mercado, do banco ou da farmácia e que eu ultimamente venho colecionando para recontar, com licença poética, claro. Já que não estava lá para ver e "quem conta um conto sempre aumenta um ponto", já peço desculpas ao leitor se não for fiel a todos os pormenores dos fatos, mas tentarei assim mesmo contar o "causo"! E quem nunca ouviu uma história escabrosa de separação? Não precisa ser fim de casamento não. Separação, de um jeito ou de outro, é sempre a mesma coisa e traz algum dano, seja psicológico ou financeiro. No caso do protagonista do nosso "causo" de hoje, acredito que os danos foram duplos, amplos e irreversíveis!



Já que não conheço os envolvidos, darei a eles os nomes de Zé e Maria. Os dois se conheceram por aí, em uma manhã, tarde ou noite de uma estação do ano qualquer. Maria era o tipo de mulher que o Zé entortava a cabeça para olhar, perdia as estribeiras e suava as bicas quando a via chegar. Maria se engraçou pelo olhar de peixe morto do Zé e eles acabaram um dia ficando. De ficar começaram a namorar, de namorar resolveram a morar juntos, juntar os panos e as escovas de dente, as contas e as reclamações em relação aos vizinhos chatos, que não entendiam que todo início de relacionamento é pontuado por aquela chama ardente, que envolve os corpos e faz a cama, objeto inanimado, ganhar uma sonoridade esquisita a qualquer hora do dia.

Os dois formavam um casal como outro qualquer. Chamavam-se através de apelidos melosos e no diminuitivo. Ele era seu chuchu, ela era seu bombonzinho. Saíam juntos, frequentavam restaurantes e de vez em quando, mesmo tendo a casa para o aconchego das carnes, ela sugeria "meu bem, vamos a um lugarzinho diferente hoje?". Ele a adorava. Tão carinhosa, tão chameguenta... A única coisa que o Zé estranhava era a obsessão que a mulher tinha em sempre que chegava em casa, depois de uma saída, ligar o computador e abrir a planilha do Excel. "Meu bem, o que é que tanto você anota nesta planilha?". "Ah, meu amor, eu paguei caro meu curso de informática. Por isso não posso perder o treino". Acreditando que a mulher só era acometida por um leve Transtorno Obsessivo Compulsivo, o Zé logo esquecia da esquisitice da Maria.

Um dia, no entanto, a Maria falou para o Zé que precisava de uma quantia para inteirar o valor de um carro, que ela pensava em comprar. O Zé, dispondo do dinheiro na conta, emprestou à Maria. A mulher neste dia fez um cafuné mais longo no namorado, agradeceu o mimo e, no dia seguinte, comprou finalmente o automóvel.

Tempos depois, a Maria começou a ficar esquisita, distante, cada vez mais anotava coisas na planilha do Excel, tinha mais enxaquecas do que um ser humano com traumatismo craniano, até que, por fim, resolveu pegar sua mala e deixar o Zé de vez. O encanto acabou, os sinos celestiais já não eram ouvidos, e lá se foi Maria para nunca mais voltar.

Zé passou vários dias cabisbaixo, deixou a barba crescer pois nem tinha forças para levantar o seu aparelho de barbear, bebeu, passou dias sem tomar banho, entornou latas e latas de leite condensado, até que acordou num sábado decidido a começar a vida na segunda-feira. Iria esquecer Maria, cair na farra e jurou nunca mais amar outra mulher, as mesmas promessas que havia feito nos 5 relacionamentos anteriores, quando tudo acabou. No entanto, havia uma pendência entre ele e a ex, que nada tinha haver com corações partidos e músicas bregas. Maria lhe devia dinheiro e ele agora iria cobrar.

Decidido, barbeado, besuntado de hidratante, Zé marcou um encontro com Maria para uma última conversa. Ela relutou, disse que não tinha mais nada para conversar com o rapaz, mas aí ele sutilmente disse que algumas de suas fotos, vestindo apenas uma calcinha comestível daquelas bem bregas, iria parar na internet, se ela não comparecesse ao encontro. Horas mais tarde, aparece a moça. Zé foi curto e grosso, certeiro como uma topada no pé do sofá: "Quero meus 15 mil de volta". "Como?". "Quero meus 15 mil de volta, o dinheiro que te emprestei para comprar o carro". "Ahn, você está falando dos 2 mil que eu te devo, né?". "Não, minha cara, são 15 mil. Eu tenho o comprovante de depósito". "Olha, desculpe, são 2 mil pelas minhas contas". "Mas, mas, mas, como assim?". Neste momento, Maria saca de dentro de sua maletinha rosa alguns papéis e entrega para o Zé. "Dê uma olhada". "O que é isso?". "Isso, meu amor, é a relação de todos os gastos que tive com você ao longo do tempo que passamos juntos. Contas, motel, camisa de marca, perfume importado que te dei, seu jantar de aniversário...". "Você é louca?!!!". "Não, sou prevenida". Lá estavam, devidamente calculados, em uma planilha de Excel, todos os "gastos" que a Maria havia tido com o Zé naqueles meses. Ele em choque. Maria triunfante. "Pode conferir. Tá tudo aí. Só te devo 2 mil". Antes que o rapaz, ainda atordoado, como se uma manada de búfalos no cio tivesse passado por cima dele, dissesse alguma coisa, Maria desferiu o último golpe, sem precisar nem de adaga, nem da espada de Excalibur. "São 2 mil e te pagarei em 3 vezes sem juros. Ok? Adeus e boa tarde!". E saiu, balançando os cabelos recém escovados, acreditando que as aulas de informática valeram sim a pena.

Os Descasados

9 de maio de 2010

DVDteca dos Descasados: Descasada

A dica de hoje da dvdteca dos Descasados é o filme Descasada (The Starter Wife), estrelado por Debra Messing, que trabalhou em filmes como Quero ficar com Polly e em séries como Will e Grace.


O filme, lançado em 2007, conta a história de Molly Kagan (Debra Messing), uma socialite que vê todas suas regalias serem cortadas, depois que seu marido, um magnata de Hollywood, resolve trocá-la por uma mulher mais jovem. Entre uma desventura e outra, Molly usa seu bom humor para conseguir se reestruturar e seguir a vida.


O impulso que Molly recebe com o fim do casamento acaba sendo positivo e a faz viver de uma forma mais autêntica, diríamos assim. O estímulo que a personagem recebe para buscar seus próprios caminhos, em vez de simplesmente desfrutar da posição que ocupava, faz com que ela descubra aos poucos que tem condições de se virar sozinha. Se por um lado, o filme traz a mensagem embutida de superação, por outro, mesmo timidamente, acaba tocando em pontos como casamentos baseados em contratos sociais e não no sentimento que une as pessoas. Molly tinha regalias garantidas com o casamento e seu marido tinha praticamente uma peça de vestuário para eventos sociais, que era sua esposa. No fim das contas, não há vítimas quando infelizmente um casamento é estruturado no que um pode oferecer ao outro, deixando o amor em segundo plano.

Fica a dica então do filme Descasada, uma comédia romântica para tardes chuvosas de sábado!



6 de maio de 2010

Casais que se separariam na literatura se os autores terminassem de contar a história (Parte II)

Todos nós sabemos que escrever um romance e transformá-lo em um cânone da literatura não é para qualquer um. Muitos tentaram, poucos conseguiram! Imortalizar personagens, torná-los referência é missão digna de heróis como Chuck Norris, Jack Chan, Macgyver e hoje o Jack Bauer, especializados na arte milenar do chupar cana e assoviar ao mesmo tempo. Apesar de nossos heróis contemporâneos conseguirem socar tubarões e construir shopping centers com uma casca de banana e uma caneta Bic, nada se compara à difícil arte de criar personagens que atravessarão o tempo e te encherão o saco nas aulas de literatura.

Apesar de nossos autores funcionarem quase sempre como um misto de cupido, padre ou juiz de paz, juntando nas páginas dos livros os casais amorosos até que a morte os separe, a história nos dá sempre brechas para descobrir quem consegue ser resiliente e ir até o fim ou quem pula do barco, antes mesmo que este afunde, sem levar em conta mulheres e crianças. Se o barco tiver complexo de Titanic, sem dúvidas irá a pique.

Dentre os casais que cuidadosamente selecionei e que nem por intervenção divina conseguiriam ficar juntos, caso seus criadores não tivessem dado um jeito neles antes de acabar a história e vê-los imersos na rotina diária, estão:


  • Peri e Ceci: O casalzinho, criado pela mente obcecada do José de Alencar, que resolveu antecipar em sua literatura a moda da trilogia, com O Guarani, Iracema e Ubirajara, é composto por um índio, o bom selvagem Peri e a mocinha loira, frágil e delicada, Ceci. O índio, já pra lá de catequisado, vê em Ceci a imagem da virgem Maria. Ceci vê no índio devoção e muita pele exposta. Os dois até que chegaram vivos ao fim da história depois de uma enchente, mas não dariam certo se Alencar resolvesse contar o que aconteceu depois da terra secar e deles descerem da árvore, onde ficaram esperando a água baixar. O casal não ficaria junto por causa exclusivamente de Ceci. A garota, moça de família, virgem de todos orifícios e imagem-semelhança da virgem Maria, não havia sido instruída pela sua mãe sobre os deveres de uma mulher na noite de núpcias. Atrás das moitas, sem champagne, lareiras e pétalas de rosas, Peri mostraria a Ceci sua lança de herói medieval tupiniquim. Ceci, assombrada e sem saber o que fazer com aquilo, sairia correndo pelas matas fechadas, até cair em um buraco cheio de areia movediça e morrer sufocada,. Enquanto isso, Peri fundaria a nação brasileira com uma degradada qualquer que viesse de Portugal, entocada nos parões de algum navio;

  • Zeus e Hera: Diretamente do Monte Olimpo, temos este casal, que atravessou o tempo e ainda é lembrado nos dias de hoje. Hera e Zeus eram irmãos e se casaram no tempo que incesto era considerado algo banal. Todo mundo casava com irmão, seduzia a mãe, era uma verdadeira orgia a céu aberto. Depois, a culpa cristã chegou e na Idade Média eles ficaram esquecidos por um tempo, voltando só depois no Renascimento. Zeus e Hera, apesar de serem deuses poderosos, eram acometidos pelas mesmas falhas humanas. Zeus era um galinha, que colecionava amantes em cada esquina da Terra e Hera se comportava como toda mulher traída, sendo deusa ou mortal... Subia nas tamancas, dava escândalo, perseguia as amantes do marido, fazia greve de sexo, mas não admitia o divórcio. No caso deles, separação seria difícil. Nenhum dos dois abriria mão dos confortos do Olimpo e da ambrosia, logo viveram infelizes para sempre, separados em casa, unidos apenas pelos laços do matrimônio. Dizem que até hoje Zeus se fantasia de animais e procura mulheres adeptas da zoofilia, enquanto Hera assiste as reprises de Desperate Housewives;
  • Bentinho e Capitu: Em Dom Casmurro, Machado de Assis resolveu não perder tempo e já deu cabo do casal, antes mesmo que a relação se desgastasse ainda mais. A história ficou famosa e é referência até hoje porque ninguém sabe se Capitu realmente transformou seu adorado Bentinho em um alce, traindo-o com seu melhor amigo, Escobar. Ninguém sabe se: Capitu resolveu dar uma variada no cardápio; se Bentinho assistiu demais o Sexto Sentido e começou a ver coisas demais; se Escobar e Bentinho eram mais que grandes amigos, enfim... "há mil maneiras de se preparar Neston... invente uma!". Ninguém sabe, ninguém viu. O que se sabe é que o casal não daria certo, mesmo que o Machado de Assis resolvesse dar outro fim à história, não causando assim tanto estardalhaço, o que obviamente não tornaria o romance um cânone de nossa literatura. O que sabemos é que de um jeito ou de outro, Bentinho, tendo razão ou não de sua desconfiança, acabaria com o casamento por causa da insegurança, o que geraria discussões intermináveis, noites dormidas no sofá, muita música sertaneja, entre tantas manifestações de descontrole emocional. Não tem jeito. Este casal foi fadado, na literatura universal, a pegar cada um o seu caminho. 




DVDteca dos Descasados: Antes só do que mal casado


A dica de hoje dos Descasados é o filme Antes só do que mal casado, uma comédia romântica típica dos irmãos Farrelly, responsáveis por outras comédias como Quem vai ficar com Mary?, O amor é cego, Debi e Lóide, entre tantos outros. Mais uma vez os Farrelly trazem Ben Stiller como protagonista da trama. O filme é de 2007 e facilmente vocês encontrarão à venda ou em locadoras.

 O filme conta a história de Eddie, um solteirão de 40 anos, que, depois de ver sua ex-noiva casar e ser pressionado por todos os amigos, inclusive por seu pai, um exemplar raro da breguice instaurada, ele acaba por se casar com Lila (Malin Akerman), uma bela mulher que ele conheceu durante um suposto assalto.

De doce, simpática, equilibrada e independente, Lila, durante a lua de mel no México, começa a dar mostras evidentes de que Eddie entrou numa roubada daquelas! Da cantoria desenfreada ao rol de esquisitices da moça, os sinais de que o rapaz fez besteira são mais do que evidentes.



Apesar de não ter sido um dos melhores filmes dos Farrelly, Antes só do que mal casado vale por abordar, de forma humorada, as consequências de uma escolha precipitada. O casal, que resolveu partir para o matrimônio depois de apenas 3 semanas juntos, sem conhecer profundamente as particularidades de cada um, funciona como a representação de tantos casais, que só descobrem as incompatibilidades na vivência a dois e quando a sentença "até que a morte os separe" começa definitivamente a pesar!